Com calma, de semente em semente, é assim que o morador de Brumadinho, Salvador da Silva, de 56 anos, pretende ajudar a restaurar a floresta e a biodiversidade em toda a área impactada pelo rompimento da barragem da Vale.
O guardião das sementes dedica a maior parte dos seus dias à coleta de sementes de árvores nativas que estão ajudando a reflorestar a região e a garantir a conservação das espécies, algumas ameaçadas de extinção.
A coleta estabelece uma relação das pessoas com a floresta, uma relação de respeito e descoberta. O “Projeto Sementes” representa uma das várias frentes que objetivam recuperar, no prazo de 10 anos, cerca de 297 hectares impactados, 140 de área florestal. Até o momento, 15 hectares de áreas diretamente impactadas pelo rompimento e obras de reparação no entorno da área, incluindo áreas protegidas (Reserva Legal e Área de Preservação Permanente/APP), estão em processo de reflorestamento com espécies nativas da região.
Chamado de “Guardião das Sementes”, Salvador é um dos integrantes do Projeto Sementes de Brumadinho, desenvolvido pela Vale em parceria com especialistas e iniciado ainda em 2019. O processo diário, que ele define como “trabalho que a natureza pede”, inclui a identificação das árvores locais e a compreensão da rotina dos animais silvestres que dependem delas.
Até o momento, já foram coletados cerca de 600 kg de frutos e sementes de 80 espécies diferentes. Com isso, 200 mil mudas foram produzidas e estão sendo plantadas aos poucos em áreas impactadas e áreas de compensação. Para Salvador, o trabalho é motivo de
orgulho e uma oportunidade para usar as técnicas aprendidas por ele durante toda a vida.
“O gosto pela natureza eu herdei do meu pai. Fui criado na mata, muito curioso por árvores. Quando fui tomando mais idade comecei a trabalhar como produtor rural, até descobrir que poderia usar meu gosto como profissão”, conta Salvador.
Cuidados especiais
Para produzir mudas nativas, em quantidade e com qualidade, a coleta de sementes é
uma das etapas mais importantes do processo. “A coleta de sementes nativas da flora
brasileira está ligada historicamente à relação de domesticação de plantas pelos povos
indígenas. São marcas culturais do povo brasileiro. Em Brumadinho, a biodiversidade é um
patrimônio imaterial”, explica o professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Sebastião Venâncio Martins.
Antes da coleta é necessário realizar estudos e preparar Salvador da Silva é um dos integrantes de projeto que visam reparar as áreas impactadas pelo rompimento da barragem um calendário fenológico, uma espécie de inventário e agenda da floresta, para conhecer a qualidade, quantidade e época do ano em que cada espécie pode ser coletada.
O processo de mapeamento e marcação de matrizes envolve muito trabalho de campo, percorrendo os remanescentes florestais e identificando as espécies de interesse. Com este levantamento, a localização de cada árvore é georreferenciada e são feitas anotações sobre seu diâmetro, altura e outras características.
Esse processo permite definir quais são as árvores “mães”, de onde se pode extrair sementes e frutos. Para isso, são consideradas características como tamanho da copa, tronco, valor ecológico e quantidade de material disponível. Apenas uma partem dos frutos e sementes são coletadas, grande parte fica como alimento para a fauna, formação do banco de sementes no solo e a continuidade dos processos ecológicos de sucessão florestal.
Após a coleta, em alguns casos, é preciso que seja feita a extração, ou seja, a retirada das
sementes dos frutos, que varia de acordo com o tipo da espécie. No caso de fruto carnoso,
como sementes de Palmeiras, o processo utiliza água e peneiras de diferentes tipos, sempre manualmente e com cuidado.
Quando o fruto está seco é preciso colocá-lo à sombra em um local ventilado para facilitar a extração de sementes. Depois disso, as sementes são limpas e armazenadas em embalagens especiais, ficando prontas para iniciar o ciclo da vida.
Uma viagem para vida
A transformação da semente em muda começa em uma viagem de quase 700 km entre Brumadinho (MG) e a Reserva Natural Vale (RNV), em Linhares, no Espírito Santo, sendo a maior parte desse trajeto feita nos trens da Estrada de Ferro Vitória Minas.
A área de 23 mil hectares é destinada à conservação e à pesquisa científica, com expertise e capacidade de produção de até três milhões de mudas por ano. Na Reserva Natural
Vale, as sementes são colocadas para germinação e quando alcançam o tamanho ideal estão prontas para voltarem a Brumadinho como mudas em uma nova viagem.